Das reflexões

Sempre alimentei a minha rotina de regras e horários. Não diria que os meus pais são pessoas rígidas, mas sim que este foi um traço que incutiram em mim, e sim que é uma mais valia em momentos que requerem organização e rigor. Sou minuciosa a cumprir calendários de estudo, consigo enlatar um leque de actividades num horário de meio palmo, raramente estou atrasada ou me faço esperar. Mas tenho também um traço obsessivo capaz de transformar facilmente o melhor no pior, como um ponto de cozedura frágil de margens. Tornei-me ávida de listas, horários, procuro equações para uma solução perfeita, sigo-as como religião, quem sabe não será a existência perfeita explicada pela matemática básica, deus criou com números o mais belo da natureza, a sequência de Fibonacci que não revelou a ninguém. Mas o rigor deixou de ser adaptativo, descontrolei-me no controlo excessivo, rendo-me submissa a ponteiros, vejo-me ansiosa se a agenda muda sem aviso, se algo sai fora do plano, se a rotina deixa de ser rotina. Amedronta-me viver relaxada e sem prazos, sobretudo porque por trás de tudo isto escondi sempre o medo do desconhecido. Retraio-me à novidade porque não lhe conheço a equação, logo não lhe antevejo o resultado, se brota a vontade de arriscar corto-a pelas raízes, e se correr mal? e se esse for o caminho errado? e se não souber voltar atrás, à rotina que sempre foi minha? que nunca (faço-me acreditar) me deixou mal?
Se o reconheço, posso mudar, quero mudar. Não há almas imutáveis. Quero aprender a saborear os dias com o gosto do minuto presente, não com o azedume do minuto seguinte, quero aprender a perder-me sem medo do não retorno, regozijar-me com o que o imprevisto trás na barriga, sugar-lhe o bom de entre o mau, e quem diz que o imprevisto só traz trevas e bichos de patas longas no ventre?
Viver feliz não tem carris nem horas marcadas.

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